Professor do Departamento de Química Biológica da Urca fala à Funcap sobre a trajetória de pesquisador e do apoio da Fundação ao seu trabalho

7 de agosto de 2017 - 10:32

 

O professor Diniz Maciel de Sena Junior, do Departamento de Química Biológica da Universidade Regional do Cariri (Urca), desenvolve uma pesquisa sobre os mecanismos estruturais de ativação do principal receptor da morfina (substância usada como  analgésico para dores crônicas e pós-operatórias) que tem tido reconhecimento internacional.

Recentemente, seu artigo intitulado “Structural heterogeneity of the μ-opioid receptor’s conformational ensemble in the apo state”, sobre estudos com receptores que são alvo de quase 40% de todos os medicamentos comercializados mundialmente, foi publicado no Scientific Reports, jornal on-line ancorado pelo prestigiado grupo Nature e que divulga pesquisas científicas em todas as áreas das ciências naturais.

Nesta entrevista à Funcap, o cientista fala de sua trajetória e do apoio que tem recebido da Fundação e de outros órgãos de fomento à pesquisa para desenvolver seu trabalho.

Como teve início sua trajetória de pesquisador?
Acredito que, como muitos colegas devem concordar, não há um momento específico da vida em que fazemos uma opção consciente para nos tornarmos pesquisadores. A pesquisa científica é uma atividade envolvente que requer curiosidade, interesse, determinação e perseverança. Meu pai, que é técnico em eletrônica, sempre estimulou o interesse pela ciência e tecnologia. No último ano de colégio decidi que faria Química, e, considerando a reputação como instituição de pesquisa nesta área, escolhi a Unicamp como universidade. Desde o primeiro ano do curso participei de projetos de iniciação científica, que me levaram ao mestrado na mesma instituição. 

Poderia falar sobre o seu trabalho, considerando área, objeto de estudo e objetivos?
Meu trabalho pode ser enquadrado na área de biofísica computacional. Estou estudando receptores acoplados à proteína-G, que são proteínas existentes nas membranas celulares, responsáveis pela comunicação do meio externo com o interno das células. Estes receptores estão envolvidos em uma grande variedade de processos, desde a visão, olfato, alergias e percepção da dor. O interesse maior é no receptor mu-opióide, que é o principal alvo da morfina. Este receptor é conhecido por ser capaz de ativar basicamente duas vias de sinalização, uma delas (a da proteína-G) está associada à analgesia, enquanto a outra (a da beta-arrestina) é relacionada aos efeitos indesejáveis (depressão respiratória, constipação, etc). Há relatos na literatura de ligantes que são capazes de ativar uma via em detrimento da outra, mas os mecanismos moleculares envolvidos nesta diferença não são ainda conhecidos. Utilizando um modelo computacional detalhado espera-se desvendar as características estruturais que levam um determinado ligante a ativar uma ou outra via de sinalização. O modelo utilizado apresentou bons resultados, ao ponto de conseguir captar a forma ativa de um mutante constitutivamente ativo do receptor em seu estado livre (forma apo), conforme publicado recentemente na Scientific Reports (www.nature.com/articles/srep45761). O próximo passo é utilizar o receptor nativo na presença de ligantes selecionados.

O que o levou a estudar este tema?
Durante meu doutorado, no Departamento de Física da UFC, comecei a trabalhar com moléculas de interesse biológico (aminoácidos) e posteriormente com um fármaco utilizado contra epilepsia, investigando suas propriedades estruturais através da espectroscopia vibracional e cálculos computacionais. Retomando minhas atividades na Urca, tentando me alinhar com as pesquisas em bioprospecção molecular, comecei a utilizar docagem molecular de algumas substâncias na proteína ciclooxigenase (associada ao processo inflamatório). Assim meu foco evoluiu de sistemas unimoleculares, até os complexos com proteínas que possuíam milhares de átomos. O próximo passo seria a dinânica molecular, capaz de tratar sistemas bem maiores. O interesse no receptor mu-opióide surgiu justamente da união entre a relevância do problema a ser investigado (a ativação de diferentes vias de sinalização) com a possibilidade de utilizar o método de dinâmica molecular para uma descrição detalhada (ligante, receptor, membrana, meio celular, atingindo quase 50 mil átomos) a nível atômico.

A ciência, no Brasil, ainda é tida como uma área distante da maioria da população brasileira. E esse desconhecimento não raro leva muitos a questionarem sua importância em um país com graves problemas sociais e econômicos como o nosso. Neste sentido, é possível enumerar que contribuições o seu trabalho tem dado ou pode dar para o desenvolvimento do Ceará e/ou do Brasil?
Com relação à divulgação científica para a população, posso comentar um exemplo observado na Alemanha, onde em um determinado dia do ano é feito o dia de “Portas Abertas”. Neste dia, cada grupo prepara uma exibição do seu trabalho para visitação pública, entre outras atividades gerais. Concordo que aqui também deveria haver mais visibilidade e aproximação com a sociedade. Considerando meu trabalho, sua principal contribuição, em longo prazo, seria permitir o desenvolvimento de fármacos mais eficazes, e com menos efeitos colaterais, contra a dor. Neste percurso, a formação de recursos humanos qualificados para enfrentar problemas abrangentes/multidisciplinares é proporcionada pela inclusão de alunos em nível de graduação, e, em breve, pós-graduação (esta linha de pesquisa faz parte do recém criado programa de pós-graduação em Química Biológica da Urca).

Considerando sua trajetória, como se deu o apoio da Funcap e que importância ele teve para o seu processo de formação e consolidação como pesquisador?
A Funcap teve uma participação muito importante em minha trajetória, primeiramente concedendo-me a bolsa de doutorado. Neste período também fui agraciado com uma bolsa do DAAD para um estágio de curta duração na Alemanha, e a Funcap se prontificou a estabelecer o convênio necessário para que eu pudesse aceitá-la. Posteriormente tive a oportunidade de ser bolsista da Funcap no Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Estímulo à Interiorização (BPI), quando desenvolvi os estudos com proteínas e docagem molecular.

Fazendo uma avaliação mais ampla, como pesquisador que tem contato com cientistas e instituições de outros países, qual a importância do apoio de agências e outros órgãos de fomento para a atividade científica?
A atividade de pesquisa sempre envolve investimentos consideráveis, seja com a compra e manutenção de equipamentos, materiais de consumo, deslocamentos para cooperação e divulgação e promoção de eventos. Desconsiderando algumas empresas que investem em pesquisa, todo projeto de impacto tem o apoio de uma agência de financiamento. Além de contribuir com os recursos, as agências têm o papel de nortear as áreas que são prioritárias para determinado país através da seleção de projetos adequados e relevantes.

Outra área na qual a relação do Brasil com a ciência precisa evoluir é a integração entre instituições de pesquisa e o setor produtivo. Em seu trabalho, essa integração acontece em alguma instância? Qual a sua avaliação dessa aproximação entre pesquisadores e empresas?
Devido ao grande interesse farmacológico no projeto no qual trabalho, existe uma troca de informações com uma indústria farmacêutica na Alemanha. A parceria com empresas pode ser bastante interessante, uma vez que elas têm mais agilidade na implementação prática de algum resultado e dependendo do caso, uma boa capacidade de financiamento. Quando os papéis de cada um estão bem definidos, a aproximação entre universidade e empresa é útil para todos.