Com apoio da Funcap, Uece desenvolve clones de embriões de espécie em risco de extinção

8 de outubro de 2020 - 09:55

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (PPGCV), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), conseguiram produzir embriões de uma espécie de cervídeo, o veado-catingueiro, a partir do processo de clonagem do DNA. O trabalho utilizou a técnica TNCSi (Transferência Nuclear de Células Somáticas interespecífica), que permite o uso da célula de uma espécie hospedeira para desenvolver o embrião de outra. De acordo com os cientistas, a espécie tem sofrido uma baixa significativa no número de animais por causa da caça e da perda do habitat natural.

O processo é um passo importante na evolução dos estudos que estão sendo desenvolvidos em várias partes do mundo para obter a clonagem de animais, técnica que teve grande repercussão após o nascimento da ovelha Dolly (um clone de outra ovelha de seis anos de idade), na Inglaterra, em 1997, e exige pesquisas específicas para cada espécie. No caso do veado-catingueiro, foram obtidas até 10 passagens (nome que se dá ao processo de produção, no laboratório, de células com linhagens contínuas, capazes de manter as características do tecido original) com até 80% de sobrevivência dos embriões.

O trabalho contou com o apoio da Funcap através do edital Programa Núcleos de Excelência (Pronex) e é parte da tese de doutorado da pesquisadora Lívia Magalhães, que foi orientada pelo professor Vicente Freitas, da Faculdade de Veterinária da Uece e teve co-orientação do professor José Maurício Barbanti, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

De acordo com os pesquisadores, foram usadas células hospedeiras de caprinos e bovinos para o desenvolvimento do DNA do veado-catingueiro. Uma das conclusões do estudo é que ambas as células foram eficientes para a produção de embriões clones pela técnica TNCSi, podendo servir em programas de conservação dessa espécie ou como modelo para outras de cervídeo em real risco de extinção.

O veado-catingueiro é uma pequena espécie de cervídeo, que pesa em torno de 18 kg e tem altura média de 50 cm. O professor Vicente Freitas explica que em alguns estados brasileiros, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, a espécie é considerada em risco de extinção. Segundo ele, “um dos objetivos do projeto é usar o veado-catingueiro como modelo para extrapolar o protocolo para outras espécies de cervídeos neotropicais, sobretudo aquelas com risco de extinção”. O cientista cita como exemplos o veado-mão-curta (Mazama nana) e o veado-mateiro-pequeno (Mazama bororo). “Com fisiologias da reprodução similares, é possível realizar essa extrapolação de protocolos de uma espécie para outra”, afirma.

Ele informa que a próxima etapa da pesquisa prevê o teste com óvulos de outras espécies, como ovelhas ou porcas. Esse é um passo adiante para definir qual espécie é a mais adequada para fazer a transferência dos embriões clones para o útero das receptoras. “No meu ponto de vista, essa é a etapa mais complicada”, revela o professor. Para se ter ideia do nível de complexidade do trabalho de clonagem, a ovelha Dolly foi considerada um sucesso, mas viveu apenas até os seis anos de idade. Foi uma morte considerada precoce para uma raça com tempo de vida de pelo menos nove anos, em média.

Os requisitos para obter o resultado, destaca o professor Vicente, não são poucos. O primeiro é encontrar o doador de DNA, ou seja, um cervídeo para realizar a biópsia de pele e o cultivo celular. “Seria muito interessante que tivéssemos no Brasil espécies de cervídeo do gênero Mazama com um número elevado de exemplares, como, por exemplo, os Estados Unidos têm como o veado-da-cauda-branca. Isso permitiria usar um grande número de fêmeas receptoras, mas infelizmente não é o nosso caso”, explica ele, lembrando que o projeto contou com a parceria da Fazenda Haras Claro, localizada em Caucaia, que cedeu seus animais para a pesquisa.

Outro desafio é ter um laboratório devidamente equipado, o que foi possível, de acordo com o pesquisador, através do apoio da Funcap e do CNPq. Ele destaca que “a Funcap foi essencial para a execução do projeto através de dois financiamentos: Cooperação Internacional (Edital Funcap/Capes 02/14) e Pronex (Edital 02/2015). O primeiro permitiu o contato com especialistas internacionais, entre eles o Dr. Daniel Salamone (Universidade de Buenos Aires, Argentina), e o segundo contribuiu para a aquisição de equipamentos específicos e dos consumíveis (materiais de uso diário)”. Por fim, o pesquisador afirma que obter os óvulos de cabras e vacas, para fazer a introdução do material genético do cervídeo, nem sempre é fácil, pela falta de material disponível.

O trabalho de clonagem rendeu a publicação do artigo “In Vitro Development and Mitochondrial Gene Expression in Brown Brocket Deer (Mazama gouazoubira) Embryos Obtained by Interspecific Somatic Cell Nuclear Transfer” no periódico Cellular Reprogramming. De acordo com o professor Vicente, mesmo passados mais de 20 anos do caso da Dolly e da reprodução em laboratório de muitos animais, o tema ainda é assunto de muitos estudos e não é possível saber, por exemplo, se seria possível salvar, com a técnica, espécies em risco de extinção.

“Muitos pesquisadores concordam que, no momento, a clonagem não é uma estratégia de conservação eficaz. As técnicas atuais ainda são capazes de fazer muita diferença. Mas com o avanço dos conhecimentos sobre clonagem e fisiologia reprodutiva de animais silvestres, ela deverá ser usada para a recuperação de espécies com a população reduzida”, acredita o pesquisador.

Ele também lembra a relevância da pesquisa com clonagem especialmente no Brasil, que passa por um período de grandes desafios na área do meio ambiente. “O país vive um momento com inúmeros incêndios nas regiões Norte e Centro-Oeste e torna-se evidente a importância dessa pesquisa, porque exatamente no Centro-Oeste está localizado um dos habitats do veado-catingueiro. Junto com a anta e o tamanduá, essa é uma das espécies mais atingidas, com diversos exemplares com queimaduras graves ou até mesmo mortos. É essencial desenvolvermos técnicas de conservação para evitar que esse animal entre na lista daqueles em risco de extinção”.