Formado principalmente por pesquisadores cearenses, Biomol Group é referência internacional em pesquisas sobre lectinas
20 de março de 2015 - 14:35
Presentes em plantas, algas, animais vertebrados e invertebrados, bactérias e vírus, as lectinas são proteínas que se ligam a carboidratos de forma estável e reversível, sem modificá-los. Por essa característica, têm sido alvos da atenção de pesquisadores do mundo inteiro, apresentando possibilidades de aplicação biológica em diversas áreas da bioquímica, medicina, farmácia e agricultura, entre outras.
Formado por professores ligados ao Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Ceará (UFC), além de pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o Biomol Group é referência internacional quando o assunto é lectinas.
“Nós somos, reconhecidamente, um dos principais grupos de pesquisa no mundo que estuda lectinas. Isso é notadamente conhecido por qualquer pesquisador que for ao exterior e visitar uma universidade ou grupo de pesquisa que trabalhe com lectinas”, afirma o membro do grupo e professor do Departamento de Engenharia de Pesca da UFC, Alexandre Holanda Sampaio.
Alexandre Sampaio foi o primeiro pesquisador da América do Sul a estudar a presença desse tipo de proteína nas algas marinhas, com a tese de mestrado gerando o artigo “Screening of Brazilian Marine Algae for Hemagglutinins”, publicado na revista científica internacional Botanica Marina, em 1991. No mesmo ano, o Biomol Group iniciou suas pesquisas, sob a coordenação do professor Benildo Sousa Cavada, da UFC.
Sem sede fixa, o grupo conta ainda com participantes de outros departamentos da UFC e de outras universidades. “Ele é um grupo virtual, de vários pesquisadores ao longo das diversas universidades do estado do Ceará, do Brasil e do mundo que trabalham em colaboração contínua”, explica Alexandre.
Entre as parcerias com instituições do exterior, o pesquisador destaca a parceria com universidade francesas e espanholas. “Pesquisa exige essa ramificação benéfica. A pesquisa hoje em dia, devido à velocidade como que o mundo anda, tem que ser feita com grupos, com agregados. O pesquisador que se isola não consegue produzir hoje em dia de forma muito coerente. Então a gente vai tocando dessa forma”, destaca o professor.
Lectinas
As lectinas são conhecidas desde 1888, ano do primeiro estudo da presença dessas proteínas. Trabalhando com extratos das sementes de mamona (Ricinus comunis), o pesquisador alemão Peter Hermann Stillmark verificou a existência de uma substancia que aglutinava hemácias de camundongos, batizando-a de ricina. Em 1954, o termo lectina foi utilizado pela primeira vez, sendo proveniente do latim “legere”. Traduzindo: selecionar, escolher.
“E foi-se, ao longo do tempo, observando que essa proteína tem especificidades. Ela seleciona um carboidrato, por exemplo, da membrana e se liga a ele. Essa é a grande vantagem, o grande potencial dessas moléculas. Elas podem selecionar”, explica o professor Alexandre. “Por isso que a gente trabalha com o professor Edson na detecção de células cancerígenas, porque muitas células cancerígenas sofrem modificações em suas glicoproteínas de membrana e lectinas podem ser capazes de reconhecer”, acrescenta.
De acordo com o professor Edson Holanda Teixeira, do Departamento de Patologia e Medicina legal da Faculdade de Medicina da UFC, os carboidratos eram vistos como macromoléculas importantes somente para a reserva energética. Nos últimos anos, afirma, sabe-se que além dos ácidos nucléicos – DNA e RNA – os carboidratos são moléculas de informação “poderosas” para alguns mecanismos de relações entre células, por exemplo.
“Então, as lectinas são capazes de reconhecer esses carboidratos. Elas têm importância também em germinação de plantas, fecundação, processo inflamatório, processo infecciosos. Vários agentes infecciosos se utilizam de lectinas para invadir células do organismo humano, por exemplo. E mais importante do que isso: essas proteínas são ubíquas, estão presente desde vírus, seres extremamente simples, até humanos. Nós, seres humanos, temos várias lectinas exercendo vários papéis importantes na fisiologia do nosso organismo”, destaca Edson..
Apoio da Funcap
Em 2008, o professor Alexandre Holanda Sampaio, teve o projeto “Avaliação do potencial de macroalgas marinhas como fonte de moléculas com atividades biológicas: isolamento, caracterização química, estrutura e atividades biológicas de lectinas” aprovado no edital 08/2010 – Programa Núcleos de Excelência (Pronex).
O edital é uma parceria entre duas agências de fomento: Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ainda em desenvolvimento, o projeto objetiva o estudo de algas marinhas do nordeste brasileiro, particularmente do Ceará, como fonte de substâncias biológicas com grande potencial de aplicações em diversas áreas das ciências biomédicas.
Parte dos recursos foi destinada à compra de equipamentos e reagentes, a serem utilizados na pesquisa a ser desenvolvida sobre detecção de células cancerígenas. Para o professor Alexandre Sampaio, o apoio da Funcap é fundamental não apenas por meio do edital do Pronex, mas também pela concessão de bolsas de Iniciação Científica, mestrado e doutorado.
“Então, é extremamente importante a manutenção dos recursos do Governo do Estado na Funcap para manter esse crescimento da pesquisa no estado do Ceará, nas universidades federais e nas nossas irmãs estaduais”, destaca o professor do Departamento de Engenharia de Pesca da UFC.
Formação de recursos humanos e novas pesquisas
Os participantes do projeto apoiado pela Funcap pretendem utilizar os equipamentos adquiridos para melhorar a infraestrutura de alguns laboratórios. “Seria um “upgrade” que nós estaríamos dando para nossos estudantes de pós-graduação”, informa o professor Edson. “Através do recurso e das pesquisas a gente está formando futuros pesquisadores”, explica Alexandre.
Por meio das bolsas recebidas de diversas agências de fomento, o Biomol Group consegue formar novos pesquisadores para desenvolver atividades internamente ou participar da criação de novos grupos. “A nossa visão é essa: é iniciar o trabalho com o estudante na graduação, gradativamente ir formando o pesquisador ao longo do tempo dentro do grupo e fomentando novos núcleos. Alguns estudantes ficam na UFC”, afirma Alexandre.
Dentro do grupo, um exemplo a ser citado é o do professor Celso Shiniti Nagano. Bolsista de iniciação científica do pesquisador Alexandre Sampaio e hoje docente do Departamento de Engenharia de Pesca, o professor Celso é o principal autor da primeira sequência de estrutura primária de uma lectina de alga no mundo. “Como também nós fazemos a nucleação. O aluno se gradua, faz mestrado, doutorado e vai para outra universidade. Lá, inicia um grupo, dele, mas mantém a colaboração com nosso grupo. Então, nós mantemos esse intercâmbio constante”, destaca Alexandre Sampaio.
“Todo o grupo trabalha em sintonia, cada um faz uma parte, e a gente vai buscando, como o professor já falou, colaborações e recursos de diferentes formas”, destaca Emílio de Castro Miguel, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC.
Também integrante do Biomol Group, Emílio é o principal autor do primeiro artigo de localização de lectinas em algas no mundo, uma forma de conhecer a ação fisiológica da molécula na alga para depois tentar maximizar o processo de extração. “E também conhecendo a fisiologia na alga, a gente pode pensar em papéis biológicos em outros organismos, inclusive nos seres humanos, ver o que é que ela pode identificar em termos de células ou não”, acrescenta Alexandre. Este artigo, intitulado Morphology, ultrastructure and immunocytochemistry of Hypnea cervicornis and Hypnea musciformis from the coastal waters of Ceará, Brazil, de autoria de pesquisadores da UFC e colaboradores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), estampou a capa da revista The Journal of Microscopy & Ultramicroscopy em julho de 2014.
O grupo vem trabalhando com novas lectinas de algas, constantemente procurando novas aplicações. Os pesquisadores já publicaram vários artigos sobre a utilização dessas proteínas de algas, e também de plantas e invertebrados marinhos, atuando em diferentes ações biológicas. Dois artigos, sobre lectinas de algas e plantas, fora publicados mostrando que a lectina faz um filme protetor no dente, impossibilitando o ataque da bactéria que causa a cárie.
De acordo com Alexandre Sampaio, uma lectina de alga vermelhea (Griffithsin) é, potencialmente, a molécula mais forte de combate ao vírus da Aids, segundo levantamento realizado em 2010. “Essa proteína já se encontra em testes de aplicação pra combate à Aids. E tem muitas outras atividades que gradativamente vão sendo descobertas com a utilização dessas proteínas” diz.
Identificação de células cancerígenas
O professor Edson vem trabalhando na identificação e detecção de células cancerígenas por meio de lectinas pelo fato de tais proteínas reconhecerem as modificações sofridas na membrana das células. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo.
Segundo o pesquisador, além da célula perder a capacidade de controlar a divisão celular, podem ocorrer alterações na expressão de muitos outros genes Como exemplo, Edson cita as enzimas utilizadas pelas células para “inserir” carboidratos nas glicoproteínas de membrana denominadas glicosiltransferases. “Uma das formas de comunicação entre as células são esses carboidratos. Então, se você tem alteração nesses genes, a quantidade e o tipo desses carboidratos nas membranas da células tumorais pode ser alterada. Dessa forma, as lectinas podem ser capazes de identificar de uma forma mais efetiva essas células tumorais do que as células normais.”, diz.
Para o professor, por conta da dificuldade em diagnosticar alguns tipos de câncer, ter uma ferramenta para facilitar esse diagnóstico é uma prioridade para comunidade científica. “É importante que a gente trabalhe com isso. Mais do que isso: essas lectinas, ao se ligarem a esses receptores, já nos mostraram que induzem essas células a entrarem em morte celular programada, apoptose. Então, são duas linhas: uma de diagnóstico e outra de ‘terapia’”, destaca Edson.
Dificuldades da vida de pesquisador
“A principal delas é a quantidade de recursos. Realmente, fazer pesquisa não é barato. Pesquisa de qualidade é muito mais caro”, diz Edson. Um dos laboratórios de cultura de célula do projeto vai gerar um custo mensal em torno de 15 mil reais. “Para algumas células, não para totalidade das células que a gente pensa em trabalhar ali”, complementa.
Para Alexandre Sampaio, a compra de equipamento não é o maior entrave, apesar de ser um ponto importante. O pesquisador aponta a manutenção dos equipamentos como a maior dificuldade enfrentada pelos pesquisadores. “Raros são os projetos de pesquisa que você pode colocar lá dentro ‘manutenção do equipamento tal’. Todo equipamento de ponta ele é um equipamento que tem um custo bem elevado. Você tem que manter aquele equipamento funcionando dentro da sua normalidade porque senão os resultados vão ser destoantes”, opina.
Emílio de Castro Miguel destaca a importância da Central Analítica para os avanços alcançados nas pesquisas recentes. Órgão Suplementar da UFC, a Central é composta por dois microscópios de varredura e um confocal, além de equipamentos e acessórios para preparação de amostras. O professor Antonio Gomes de Souza Filho, do Departamento de Física, é o coordenador do órgão.
Os membros do Biomol Group seguem adiante em suas pesquisas sobre as lectinas. Continuam a submeter projetos em editais das diversas agencias de fomento para a obtenção de recursos, em prol de novas pesquisas, insumos e equipamentos. Apesar das dificuldades, não deixam a busca pelo conhecimento parar. “A pessoa pra ser pesquisador ela tem que ter esse elã de querer conhecer a fundo as coisas, independente de se vai ser visto ou não lá fora, mas é uma necessidade pessoal de cada um, de querer saber mais algo sobre aquilo que você está estudando. Então, isso que move a gente. A busca contínua do conhecimento”, finaliza Alexandre Sampaio.