Os guardiões da constante

4 de fevereiro de 2011 - 18:16

Do site The Economist

Os metrologistas irão em breve tentar redefinir a unidade referência, no mundo científico, para a massa que representa um quilograma

“Quanto custa um quilo, atualmente?”. Essa pode parecer uma pergunta estranha. Será que um quilo não pesa apenas isso, um quilo? Na verdade, um quilograma representa a massa de um pedaço cilíndrico de uma liga de platina-irídio de um objeto criado em 1879 em Hatton Garden, bairro com grande concentração de joalherias de Londres, e depois enviado para o Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) em Sèvres, perto de Paris. Ele permanece lá até os dias de hoje, mantido abaixo de três campânulas em forma de abóbada, em um cofre que só pode ser destravado girando um conjunto de três chaves, cada uma confiada a um dignitário de alto escalão do BIPM.

Apesar dessas precauções, o protótipo internacional não repousa completamente longe de perturbações. Houve ocasiões, quando foi comparado com algumas das suas cópias oficiais, em que foram observadas discrepâncias de até 69 microgramas (algo ligeiramente menor que um grão de areia). Como não há razões para acreditar que “o” quilograma é intrinsecamente mais estável do que qualquer um de seus “primos”, a causa dessa diferença ou é a perda de peso, decorrente do desgaste relacionado à manipulação, ou sua exposição a processos químicos como os envolvidos na limpeza do objeto.

Em um mundo cada vez mais dependente de medidas precisas, os metrologistas acreditam que essa inconstância já não garante mais a segurança da medição. Por isso, em 24 de janeiro último, eles se reuniram na Royal Society, em Londres, para discutir a reformulação do quilograma padrão em termos de algo menos volúvel do que uma liga de platina-irídio. E o que melhor para fazer esse trabalho do que as constantes fundamentais da natureza, que afinal são, como o próprio termo diz, constantes?

O quilograma é o último componente do Sistema Internacional de Unidades (SI) ainda ligado explicitamente a um artefato primitivo. O metro também era: estava relacionado ao comprimento de outro lingote de platina-irídio armazenado em Sèvres. Mas foi redefinido por duas vezes, desde que o lingote foi depositado em 1889. A primeira, em 1960, quando foi associado ao comprimento de onda de um determinado tipo de luz. E em 1983, como o caminho percorrido pela luz no vácuo na fração 1/299.792.458 de um segundo. Esse último, obviamente, remete a outra questão: como medir um segundo. Ele não é, como se poderia pensar, 1/60 de 1/60 de 1/24 do período de rotação da Terra. Não. O segundo é a duração de 9.192.631.770 períodos de um fenômeno chamado de transição de microondas em um átomo de césio-133.

As outras quatro unidades básicas do SI, o ampère (eletricidade), o Kelvin (temperatura), o mol (quantidade de átomos, moléculas ou outras partículas) e a candela (luz), seguiram o exemplo do metro e se modernizaram – embora o ampères, a candela e o mol estejam ligados ao kg e, assim, indiretamente relacionados com o protótipo de Sèvres.

Em uma constante de Planck
A razão pela qual o quilograma levou tanto tempo para abandonar sua inércia histórica é que a constante de Planck (h), o candidato mais promissor para a sua remodelação, pertence à escala subatômica. Nessa escala, coisas estranhas acontecem e partículas podem se comportar como ondas. A constante de Planck é o número que liga a energia de uma partícula com a freqüência da onda associada a ela. Ela reflete o tamanho dos quanta, na Física Quântica. Um quantum é a quantidade mínima de uma entidade física envolvida em um processo físico. Isso é algo muito pequeno – algumas ordens de magnitude menor em relação ao quilograma do que, digamos, um metro diante da distância percorrida pela luz em um segundo. Isso o torna bastante difícil de medir.

A maneira mais usual de medir “h” em termos de massa emprega um aparelho chamado balança de watt. Nele, a massa é suspensa por um braço da balança. O outro braço carrega uma bobina com um fio ligado a um circuito elétrico – em outras palavras, um eletroímã. Essa bobina é suspensa em um campo magnético externo e a corrente que flui por ela é ajustada para que a atração entre os dois ímãs equilibre a força gravitacional sobre a massa suspensa.

Em seguida, o experimento é repetido sem a massa suspensa. Em vez disso, a bobina é atraída pelo campo magnético externo, o que induz uma voltagem através dele. Ao combinar os dados das duas etapas, uma equação que liga energia mecânica (dependente da massa) a energia elétrica (calculada pela multiplicação da tensão pela corrente) pode ser derivada. Ambos os tipos de energia são equilibrados e expressos em watts, o que explica o nome da experiência. A partir daí, através de um procedimento complicado e cansativo envolvendo dois fenômenos conhecidos como “efeito Josephson” e “efeito Hall quântico”, é possível expressar a energia elétrica em termos de “h” e, a partir daí, calcular “h” em função da massa.

Quando a incerteza do cálculo for reduzida, o que os metrologistas esperam que aconteça ao longo dos próximos anos, o experimento será realizado com o protótipo de Sèvres, isto é, com uma massa de exatamente um quilograma. A leitura resultante para “h” será fixada por decreto e, com isso, estará pronta a definição com base na constante de Planck. Um quilograma será, então, a massa, calculada com base na constante de Planck em uma balança de watt, que coincida com esse valor de “h”.

Tudo isso soa muito mais complicado do que pesar, de vez em quando, um pedaço de metal aramzenado em um cofre. Mas ao contrário disso, o experimento da balança de watts poderá ser realizado por qualquer pessoa a qualquer momento, desde que ela possua o conhecimento e o equipamento adequado. Isso garante que o quilograma novo será um padrão verdadeiramente universal e imutável, definido em algo muito mais firme do que uma pedra ou até mesmo a platina: as leis fundamentais da natureza.

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