Santo de Casa – o estudo da água através da Física pela professora Marlúcia Santiago

11 de fevereiro de 2009 - 19:27

Por Sílvio Mauro

Da Agência Funcap

A escassez que gerou a curiosidade. Foi assim que a professora Maria Marlúcia Freitas Santiago, vice-coordenadora da pós-graduação do Departamento de Física da UFC, começou seus estudos sobre a água no Nordeste. “Como cearense, eu passei a vida inteira ouvindo falar em água, em inverno, em seca, que ‘tá bonito pra chover’”, explica.

A professora Marlúcia foi homenageada pelo projeto Santo de Casa, que está registrando o trabalho de nomes importantes para a ciência do Ceará. Além dele, a iniciativa, realizada pelo CNPq e pela Seara da Ciência/UFC, inclui os nomes do farmacêutico Abreu Matos, criador do projeto Farmácias Vivas, do sociólogo Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, do sanitarista Rodolfo Teófilo, e do criador do biodiesel, Expedito Parente. Todos os vídeos foram produzidos pela célula audiovisual da Funcap, a F Ciência, e farão parte do acervo do CNPq e da Seara da Ciência.

Segundo a professora, o primeiro contato com a pesquisa sobre a água foi quando seu professor de física atômica estava dando o conceito de isótopo e disse que tinha um projeto pra estudar a evaporação de açudes através desses isótopos. Na época, década de 1970, a UFC não tinha recursos para estudos tão avançados. “O professor propôs estudar isótopos estáveis. Mas ele inseriu a semente”, diz.

Em 1974, o recém criado Departamento de Física da UFC recebeu a visita de um alemão que estava em uma missão geológica para estudar água subterrânea do Piauí e queria montar um laboratório para medir carbono 14. Era um projeto patrocinado pela Alemanha e pela Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). “Foi através desse projeto que, no final do ano, eu fui para a Alemanha saber o que era essa historia de carbono 14”, diz Marlúcia.

Da Alemanha, a professora voltou ao Nordeste e começou os trabalhos a partir do Piauí, e em condições bastante desfavoráveis. “Ir pro Piauí, na época, era uma coisa louca, não tinha estrada direito. Nós tínhamos um hobby maravilhoso, que era empurrar uma kombi velha atolada na areia. Tinha também outras coisas interessantes. Os poços, não tinha uma maneira de você tirar água, não tinha torneirinha”, brinca.

Através do método do carbono 14, conta a professora, é possível definir a data de entrada da água nos reservatórios. E, com esses estudos, determinar até os critérios de consumo do recurso. “Por exemplo, no caso do Piauí, quando nós começamos, era no aqüífero Serra Grande. Uma água que tinha poços a uma profundidade de 900 metros. Então, é uma água que chegou lá há muito tempo, bem isolada. E o reservatório não está recarregando. Esse é um aspecto importantíssimo, porque é uma água que provavelmente não vai ser renovada com facilidade”, explica. Segundo a professora, essa água deve ser consumida com muito mais critério, só em casos estratégicos.

A partir do estudos no Piauí, foram obtidas águas com 30 mil anos. Foram determinadas as paleoáguas, através de carbono 14 e de outros isótopos. Esses reservatórios, que levaram milhares de anos para se formar, também existem em regiões do Ceará, como o Cariri, e só podem ser explorados, de acordo com ela, “em situações de extrema emergência”.

Outra área de interesse da professora Marlúcia é o nível de salinização da água do solo cristalino, que compõe boa parte da região central do Ceará. De acordo com ela, os poços cristalinos apresentam uma salinidade extremamente alta, mas esse é um processo complicado que até hoje ainda não foi totalmente definido. “Eu sempre menciono que o Ceará tem em torno de treze mil poços cristalinos e até hoje a gente não sabe como nenhum funciona”.

Nessa área, foi criado um grupo de pesquisa que faz monitoramento em tempo real para informar sobre as precipitações e a concentração de sal dos reservatórios. Segundo a professora a principal dificuldade do solo cristalino, em relação ao sedimentar, é que neste último a água é mais bem distribuída pelo espaço físico. Já no cristalino, a água se espalha pelas fendas, o que dificulta o acompanhamento e pode causar variações na composição. Ela destaca a importância desses estudos para o Ceará por o estado “é um dos poucos lugares do mundo onde é preciso tirar água de pedra”. Em outras partes do planeta, ressalta a professora, os solos cristalinos, por sua aridez, são usados como depósitos de lixo atômico de usinas nucleares.

Sobre a escassez de água, a professora acredita que o recurso, em suas várias formas, não deve apresentar grandes variações na quantidade. “A gente tem muita água nos oceanos, nas nuvens, águas nos rios e em reservatórios. Chamamos de ciclo biológico: chove, a água vai para os rios, lagoas, parte dela infiltra, outra volta para o mar, evapora forma nuvem e esse é um processo que não vai mudar. Essa água vai só ficar algumas vezes mudando de sentido. A que não infiltrar muito vai se deslocar para o mar, só vai mudar a quantidade em cada reservatório”. O grande problema, no entanto, é a quantidade de água potável.

Para Marlúcia, considerando o aumento de consumo vindo do crescimento populacional, é preciso evitar o desperdício. Além disso, é preciso preservar o escasso manancial de água potável da contaminação, outro grave problema. Por fim, é preciso lembrar que gasta-se água até em processos industriais e para fazer produtos com pouca relação com ela. Para se fazer uma camisa de algodão, o gasto é enorme e vem do cultivo até a fábrica. “Você tem que pensar em processos que possam minimizar esse consumo. Fazendo, por exemplo, a reciclagem da água que foi utilizada em uma etapa para que possa ser usada em outra”.