Tecnologia social cearense vira referência na América Latina

18 de dezembro de 2008 - 17:58

Qui, 18 de Dezembro de 2008 09:47

Da Agência Funcap
Por Sílvio Mauro

“Pobres também trazem soluções. Eles não são apenas fontes de problemas”. A afirmação é de Joaquim Melo, coordenador do Banco Palmas, instituição que venceu o Prêmio Finep de Inovação na categoria tecnologia social. Organizada pela Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, a premiação foi criada reconhecer esforços inovadores realizados por empresas, instituições de ciência e tecnologia e organizações sociais brasileiras e que tenham sido desenvolvidos no Brasil e aplicados no país e no exterior.

Funcionando há 10 anos no Conjunto Palmeira, comunidade de baixa renda com cerca de 32 mil habitantes ao sul de Fortaleza, o Banco Palmas instituiu um sistema alternativo de crédito com um objetivo simples: aumentar a circulação de riqueza dentro do conjunto através da concessão de crédito com valores muito baixos (a partir de 200 reais) e valorizando os pequenos comércios com a criação de uma moeda local, a Palma.

Joaquim lembra que o bairro era, a princípio, uma favela resultante de assentamentos de famílias retiradas da orla de Fortaleza. Através de mutirões, a comunidade conseguiu realizar algumas melhorias, como drenagem e pavimentação. Isso, no entanto, criou outro problema: o local ficou mais valorizado e as pessoas, por falta de condições financeiras, começaram a vender os barracos e mudar para outras favelas da cidade. “Tivemos a idéia de criar o banco para isso. Fazer com que a geração de renda evitasse a saída dos moradores”, explica.

Com a Palma, o dinheiro gerado no Conjunto Palmeira circula dentro do próprio bairro. Além disso, o banco tem uma carta de crédito de 1,3 milhão de reais, graças a uma parceria com o Banco do Brasil e recursos obtidos com o Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop), do governo do estado. Concede empréstimos entre 200 e 10 mil reais e um prazo de até um ano para o pagamento, com taxa máxima de 3% ao mês.

Mostrando fotos antigas do Conjunto Palmeira, com ruas que eram esgotos a céu aberto e tinham muitos casebres de taipa, Joaquim garante que as melhorias foram obtidas graças, em boa parte, à tecnologia social que tem o Banco Palmas como principal elemento. “Nós criamos uma alternativa para as pessoas que não tinham condições de usar bancos tradicionais”, diz Joaquim.

Desenvolvido a partir de 96 assembléias de moradores realizadas durante um ano, o Banco Palmas, segundo Joaquim, foi criado sem a participação de universidades, institutos de pesquisa ou entidades oficiais de apoio à inovação. O modelo, no entanto, já atraiu a atenção de alguns deles. “Fomos procurados pela Universidade de São Paulo (USP), que está criando uma incubadora de bancos comunitários, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E temos uma parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) em aulas de capacitação”, informa.

Os criadores do Banco Palmas também estão exportando a tecnologia social que foi reconhecida pelo Prêmio Finep. Em todo o Brasil, já funcionam 37 bancos comunitários. Desses, 25 são no Ceará e funcionam em uma rede única com recursos do Banco Palmas. Além disso, técnicos cearenses já foram ao Equador e à Venezuela mostrar o funcionamento do sistema. Segundo Joaquim, no território venezuelano já foram criados, em dois anos, mais de três mil pequenos bancos.

O coordenador do Banco Palmas avalia que o modelo de baixo custo de desenvolvido a partir das idéias das comunidades e adaptado às suas limitações financeiras é mais viável que os dos grandes conglomerados. Ele cita a crise mundial em curso como exemplo de que o modelo precisa ser reavaliado. “Esses grandes bancos, onde tudo é centralizado e cinco pessoas tomam decisões por milhares, estão todos quebrando. Além disso, as instituições nacionais tiveram prejuízo com microcrédito por um único motivo: eles não sabem como conceder empréstimos a pobres”, ressalta. Ele cita um exemplo da diferença entre os sistemas. Enquanto um grande banco comercial gasta cerca de 150 mil reais para montar uma agência, um ponto de atendimento do Banco Palmas custa 30 vezes menos.

Como parte do Prêmio Finep, o Banco Palmas irá receber 1 milhão de reais. Segundo Joaquim, o principal objetivo é investir em um centro de treinamento para formar técnicos de todo o País e disseminar a tecnologia social de bancos comunitários. “Nossa meta é criar mil bancos até 2010”, diz. Outro projeto para um futuro próximo, de acordo com ele, é a criação de uma central de negócios entre as comunidades que hoje integram a rede cearense.

Modelo prevê descentralização e poucos recursos

Uma alternativa para o Banco Palmas seria o uso do valor do Prêmio Finep, que é de 1 milhão de reais, para aumentar a carta de crédito da instituição. Joaquim diz, no entanto, que essa meta de crescimento não é prioridade do modelo desenvolvido pela comunidade do Conjunto Palmeira, que prevê a descentralização. “Nós não iremos querer, por exemplo, um Banco Palmas em toda Fortaleza. O mais interessante é que cada comunidade crie seu próprio banco”, explica.
Outro detalhe importante é que a tecnologia social não é um produto comercializável. Os técnicos do Banco Palmas estão à disposição de qualquer interessado na implementação do modelo. “Nós não temos royalties ou patentes”, acrescenta Joaquim. A única preocupação é com a manutenção da estrutura do banco e das empresas que estão atreladas a ele e com a viabilidade econômica do negócio.

Hoje, além do Banco Palmas, a comunidade administra a produção e venda de produtos de limpeza, sabonetes, confecções, calçados e artesanato – tudo com a marca Palmas. E para garantir uma taxa de inadimplência que hoje é de apenas 2%, nos atrasos até 90 dias, o sistema de análise para a concessão de créditos é rigoroso. O empréstimo só é autorizado se o produto ou serviço do comerciante for considerado viável para a venda na comunidade.