Entrevista com o professor José Tarquínio Prisco, coordenador do INCT em Salinidade.

4 de dezembro de 2008 - 17:28

Qui, 04 de Dezembro de 2008 09:56

No próximo ano, o Ceará vai ganhar três novos centros de produção científica e tecnológica de ponta.

Da Agência Funcap
Por Sílvio Mauro e Giselle Soares (especial para AF)

No próximo ano, o Ceará vai ganhar três novos centros de produção científica e tecnológica de ponta. Um deles é o INCT em Salinidade (INCTSal), coordenado pelo professor Tarquínio Prisco, da Universidade Federal do Ceará. Em entrevista à Agência Funcap, o professor falou sobre o problema da salinidade no Nordeste e as propostas do INCTSal para amenizá-lo.

A salinidade do solo é um problema sério no Ceará? Que áreas são mais atingidas por ela? Quanto isso representa no território do estado em termos percentuais?

Uma das linhas de pesquisa do INCT em Salinidade trata do “diagnóstico das áreas afetadas por sais e da qualidade da água de irrigação” nos semi-áridos existentes no Nordeste. Após esse diagnóstico, pode-se, não só responder a essas três perguntas, como determinar com precisão quais os sais presentes nos solos salinos e nas águas salobras. Os levantamentos de solos e das águas que foram feitos na região são imprecisos e restringem-se aos perímetros irrigados do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).

A que se propõe o INCT de salinidade?

A complexidade do problema de salinidade é de tal magnitude que sua solução exige equipes multidisciplinares de pesquisadores qualificados, trabalhando coordenadamente nas áreas básica e aplicada. A criação desse Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Salinidade irá proporcionar o ambiente necessário à solução desse problema e contribuirá para a formação de equipes capazes de desenvolver pesquisas básicas e aplicadas de padrão internacional. Para atingir esse objetivo, montou-se um programa centrado em cinco linhas de pesquisa: estudos de fisiologia, bioquímica e genética do estresse salino; diagnóstico das áreas afetadas por sais e da qualidade da água de irrigação; testes de tolerância à salinidade das espécies e cultivares usadas na agricultura irrigada e melhoramento genético visando a produção de materiais mais tolerantes à salinidade; práticas de manejo e controle da salinidade no sistema solo, água, planta e recuperação e aproveitamento de áreas salinizadas. Essas linhas serão desenvolvidas em onze laboratórios ou grupos de pesquisa existentes em seis instituições do Nordeste (Universidade Federal do Ceará – UFC, Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Embrapa Agroindústria Tropical – CNPAT) e uma do Sudeste (Universidade de São Paulo – ESALQ/USP), tendo como núcleo sede o Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC.

Há relação entre a salinidade e o processo de desertificação que algumas regiões do Ceará estão sofrendo?

No caso do Ceará, a salinidade ainda não pode ser considerada como grande responsável pela desertificação. Entretanto, existem áreas em que os resíduos da dessalinização de águas salobras estão sendo despejados ao acaso nos solos, elevando a salinidade dos mesmos a níveis tão elevados que o crescimento das plantas cultivadas e nativas já está sendo afetado. Se não forem tomadas providências para impedir essa prática ou desenvolver técnicas de manejo capazes de recuperar as áreas já afetadas, o que nem sempre é possível, a salinidade poderá se transformar na grande responsável pela desertificação.

A salinidade afeta somente o semi-árido ou outras regiões também?

Ela pode ocorrer em outras regiões, mas é mais comum nas regiões áridas e semi-áridas onde a evapotranspiração é elevada e a precipitação pluviométrica é insuficiente para lavar os sais que se acumulam na zona agricultável do solo.

Como será estruturado o INCT de salinidade em termos de equipe, instalações e equipamentos? Quais serão as áreas de estudo, dentro do Ceará?

A estrutura organizacional do INCTSal é bastante simples, pois se resume a um Núcleo Sede na UFC (Núcleo de Pesquisa em Fisiologia Vegetal), localizado no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular (DBBM). Este, por sua vez, se articula com 11 laboratórios ou grupos de pesquisa associados. O instituto funcionará em rede, com o planejamento, a execução e a avaliação das pesquisas feitos de maneira participativa. Um Comitê Gestor (presidido pelo coordenador do instituto e constituído por cinco pesquisadores, sendo três responsáveis por linhas de pesquisa) funcionará como intermediário entre a coordenação do instituto e os pesquisadores. O INCTSal terá dois assessores externos, sendo um nacional, da Universidade Federal de Viçosa (MG) e outro estrangeiro, do “Centre for Ecology and Hydrology” (Reino Unido). Eles visitarão o instituto anualmente, a fim de examinar seu desempenho frente às metas aprovadas pelo Comitê Gestor. Será estabelecido um cronograma de seminários, em que serão apresentados e avaliados cientificamente os resultados semestrais e anuais das pesquisas. Dessas discussões poderão surgir sugestões de criação ou eliminação de projetos de pesquisa, que serão encaminhadas para o coordenador, que as examinará e as encaminhará para análise pelo Comitê Gestor. A gestão do instituto, assim como sua coordenação, não se vincula ou se superpõe à administração da entidade que lhe serve de sede (UFC). A formação de recursos humanos no INCTSal será feita nos níveis de graduação (iniciação científica), de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) ou através de estágios e participação em cursos de curta duração. A transferência das tecnologias desenvolvidas pelo instituto será feita através de cursos de média e curta duração, voltados para técnicos de nível médio e superior, que atuam junto às associações de irrigantes ou a agentes rurais de regiões onde a agricultura irrigada é praticada. Deverão, também, ser promovidos eventos de divulgação de resultados, mostrando as melhores técnicas de manejo do solo e da água, os quais serão acompanhados de demonstrações no campo, segundo o princípio de “ensinar a fazer, fazendo”. O grupo proponente (21 pesquisadores) já orientou 390 alunos de graduação (iniciação científica), 345 de mestrado e 86 de doutorado. Atualmente, estão sob orientação desses pesquisadores 40 alunos de graduação, 45 de mestrado e 37 de doutorado. Também é expressiva a produção bibliográfica desses pesquisadores, sendo que nos últimos cinco anos, além de livros, capítulos de livros e trabalhos resumidos apresentados em eventos, foram publicados em periódicos nacionais e estrangeiros mais de 450 trabalhos sobre salinidade ou temas correlatos.

Que culturas serão estudadas pelo INCT de salinidade?

Nos estudos considerados básicos, a escolha da espécie vegetal irá depender do tipo de trabalho que será executado. Nas pesquisas aplicadas, as espécies serão as mais usadas na agricultura irrigada na Região Nordeste ou que apresentem potencial para utilização nesse tipo de exploração agrícola.

Qual é a expectativa, em termos de recursos, para o INCT de salinidade?

Já foram alocados cerca de quatro milhões de reais para os primeiros três anos e, dependendo do nosso desempenho, poderemos conseguir mais recursos. A grande vantagem que vejo é que, com o instituto, nosso grupo irá adquirir mais visibilidade nacional e internacional, facilitando, portanto, novos financiamentos.

Benefícios esperados para o Nordeste a partir do funcionamento do INCTSal.

QUADRO ATUAL

EXPECTATIVAS COM O INCT

Pequena massa crítica de pesquisadores qualificados na área de salinidade

Aumentar a massa crítica de pesquisadores qualificados em salinidade.

Poucos pesquisadores produzindo competitivamente com os centros mais avançados do mundo.

Investir de maneira continua nos núcleos de excelência, a fim de que possam produzir competitivamente com os Centros avançados do mundo.

Falta de tradição em pesquisa multidisciplinar, havendo descompasso entre o que se produz na área básica e o que se faz na área plicada..

Aumentar a cooperação entre as áreas básica e aplicada, pois a solução dos problemas de salinidade depende dessa integração.

Pouco se conhece a respeito da área ocupada por solos salinos, sódicos e salino-sódicos.

Mapeamento da área ocupada por solos salinos, sódicos e salino-sódicos.

Pouco se conhece sobre a composição de sais presentes nos solos e nas águas usadas para irrigação.

Composição de sais nos solos e águas usados para irrigação.

As tabelas de tolerância à salinidade foram produzidas nos EEUU, em experimentos realizados em condições ambientais diferentes das existentes no trópico semi-árido.

Tabelas de tolerância à salinidade das espécies cultivadas na região e elaboradas com base em dados obtidos no trópico semi-árido brasileiro.

Falta de cultivares, que foram geneticamente melhorados para tolerarem a salinidade.

Poder iniciar a produção e distribuição de materiais geneticamente melhorados para uso nas áreas com problemas de sais no solo ou na água.

Manejo inadequado do sistema solo, água, planta tem contribuído para aumentar a área salinizada, especialmente quando se irriga com água salobra

Melhorar o manejo do sistema solo, água, planta, inclusive nas áreas em que se usa água salobra, evitando o aumento da área salinizada.

A quantidade de resíduos salinos, provenientes de dessalinizadores, tem contribuído para a poluição (salinização) dos solos e águas.

Recuperar os solos salinos, através de lavagem e corretivos químicos e uso de halófitas forrageiras.


DBBM – Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular

DENA – Departamento de Engenharia Agrícola

DCS – Departamento de Ciências do Solo

DEAG – Departamento de Engenharia Agrícola

DCA – Departamento de Ciências Ambientais

DB – Departamento de Biologia

DTR – Departamento de Tecnologia Rural

DSER – Departamento de Solos e Engenharia Rural

DER – Departamento de Engenharia Rural

ESALQ – Escola Superior de Agricultura