Pesquisa revela potencial farmacêutico e nutricional de espécies da Caatinga

7 de junho de 2018 - 15:15

A Caatinga, um dos biomas que enriquecem a diversidade do Brasil, é um ecossistema importante por existir apenas no território nacional e ser o mais expressivo da região Nordeste. A fauna e a flora dessa região, que ocupa cerca de 10% do território nacional, apresentam grande potencial científico e econômico que vem sendo cada vez mais explorado com a finalidade de gerar benefícios para a população.

Conhecer e explorar este potencial é um dos objetivos do trabalho das professoras Selene Maia de Moraes e Maria Izabel Florindo Guedes, coordenadoras do grupo de pesquisa do Laboratório de Produtos Naturais da Universidade Estadual do Ceará (Uece). A iniciativa conta com o apoio da Funcap através do edital de Pesquisa e Desenvolvimento de Biofármacos a partir da Biodiversidade do Semi-Árido (Biofar).

A pesquisa, feita a partir da prospecção de estudos biológicos de componentes nativos da biodiversidade do semi-árido do  Ceará, resultou na produção de biofármacos que se relacionam principalmente com as doenças chamadas negligenciadas (causadas por agentes infecciosos ou parasitas e que são endêmicas em populações de baixa renda) e doenças metabólicas, aquelas que podem levar ao aumento do risco de problemas cardiovasculares.

Uma das doenças abordadas na pesquisa é a leishmaniose, para a qual foram obtidos a formulação para o tratamento e uma vacina terapêutica. Também são estudadas soluções para problemas que têm causado grande impacto na saúde da população local, como a dengue e outras arboviroses (doenças transmitidas por insetos). Neste caso, foram descobertas plantas e constituintes com ação larvicida, que ajudaram no desenvolvimento de uma vacina e de antígenos para kits de diagnóstico.

Em relação às doenças metabólicas, foram avaliados os efeitos do PCOC (produto obtido da carnaúba) no tratamento das dislipidemias (doenças relacionadas ao aumento dos níveis de gordura no sangue) e do diabetes tipo 2. De acordo com a professora Selene, através da pesquisa foi possível mostrar que o PCOC, um fármaco natural, “pode vir a substituir as estatinas, medicamentos usados no tratamento convencional que têm vários efeitos colaterais”.

Outros biofármacos foram obtidos, com soluções para vários tratamentos: atividades antinociceptivas (de redução da percepção da dor), doença de Alzheimer, cicatrizantes, anti-helmínticos (contra verminoses), antifúngicos e antioxidantes. Alem disso, foram registradas patentes de biofármacos atuando como anticancerígenos e como protetores solares. A seguir, um resumo das principais descobertas:

– PCOC: além da aplicação contra dislipidemias e diabetes tipo 2, pode ser usado como uma das bases para o desenvolvimento de alimentos nutracêuticos (que além de nutrir, também apresentam funcionalidades farmacêuticas na prevenção e no tratamento de doenças). A substância gerou quatro patentes que mostram a sua aplicabilidade em diferentes setores, como saúde, alimentos e cosméticos;

– Faveleira (Cnidoscolus quercifolius): apresentou efeito contra diferentes linhagens tumorais; – Batiputá (Ouratea fieldingina): seu extrato originou um produto com eficácia em cicatrização;

– Alecrim do campo (Lippia microphylla) e Fava d’anta (Dimorphandra gardneriana): produzem substâncias antioxidantes com alto fator de proteção solar, propriedades que podem ser utilizadas na fabricação de cremes para proteção solar e cremes preventivos de envelhecimento.

A expectativa é de que os resultados dos subprojetos e os produtos desenvolvidos por eles sejam aplicados e levados para o mercado, mas ainda não há prazo definido. Enquanto isso, no entanto, a pesquisa serve para colocar em evidência a importância de espécies que têm resistido às alterações climáticas. “O clima do planeta está mudando e há necessidade de conhecer e aprender com as plantas que se adaptaram a esta realidade”, explica a Selene.

Ela avalia que a utilização de matéria prima originada desses biomas contribui para o beneficiamento e preservação das espécies e do próprio ambiente. “O conhecimento do nosso potencial abre perspectivas, estimulando o desenvolvimento da produção e da economia local com microempresas, por exemplo, em regiões ricas nessas matérias primas”, acrescenta.

Por fim, a pesquisadora lembra outro benefício que o uso de espécies da flora nordestina apresenta com o projeto: a valorização dos conhecimentos e das práticas da medicina popular, que podem se perder ao longo do tempo se não forem estudadas e documentadas.